A 2º reunião do Fórum da Cidadania, teve lugar no dia 22 de Novembro, na Biblioteca Vergílio Ferreira. Iniciou-se a sessão apresentando o investigador do Centro de Estudos Sociais de Coimbra – Giovanni Allegretti, convidado para ajudar a comunidade a “pensar o território de outra forma; a pensar sobre como superar dificuldades sentidas pelas cidadãs e cidadãos e autarcas e como os aproximar”; ou seja refletir sobre como“construir em conjunto”.
Giovanni Allegretti iniciou o diálogo focando-se em exemplos da sua prática profissional, em Itália e Portugal, em termos da participação cidadã das populações. Começou por referir que a participação é “sensível aos lugares; aos caracteres das pessoas, das famílias, dos políticos”. Na sua experiência de 8 anos, enquanto Português fala-nos da ‘Dupla Patologia das Democracias Liberais’, enquanto “círculo vicioso de desconfiança entre a política representativa e o empenho participativo”. A questão que se coloca é: como se rompe esse círculo vicioso? Muitas vezes ele manifesta-se, no sentido de “eu como cidadão não tenho confiança nos autarcas, quando eles mostram interesse e iniciativa de transformação ou manifestam vontade têm uma agenda escondida ligada à sua manutenção no poder, e eu como sou ‘pequenino’ não confio na utilidade da minha participação, e prefiro utilizar o meu tempo livre para fazer coisas que me beneficiem individualmente.” Ele refere ainda que muitas vezes é difícil romper a desconfiança, uma vez que ela é fruto não só da passividade da sociedade, do pessimismo, mas também de erros (de boa fé) das próprias propostas participativas.
Nesta sequência introduziu a questão do Orçamento Participativo (OP), que implica juntar a população para a tomada de decisão sobre uma parte do investimento público a inserir no orçamento. Existem 32 OP em Portugal. Até há algum tempo atrás estes eram apenas de carácter consultivo, sendo disfuncionais. OP consultivo caracteriza-se por “colocar os cidadãos num espaço a falar sobre o que eles desejam, das necessidades, de como se podem resolver problemas, e depois diz-se muito obrigado às pessoas, e serão informados das tomadas de decisões sobre o que foi falado”. Este tipo de abordagem não altera em nada a percepção dos cidadãos, a dinâmica da política tradicional. Os cidadãos “sentem-se matéria-prima para fazer políticas públicas, e que o seu tempo está a ser usado por alguns, que podem até tomar as decisões certas, mas não altera em nada a dinâmica do poder. Quem tem o poder continua a tê-lo, o poder de selecionar os projetos. O problema destes processos é que eles não esclarecem os critérios de como a seleção é feita.” O investigador salienta que este mecanismo pode funcionar se houver esclarecimentos da decisão final, e informação do “porquê das não decisões”.
Na Toscana, por exemplo, a “lei do OP refere que a participação é um direito”. Quando se começa a construir um processo participativo é importante tomar conta das percepções das pessoas, “faço um processo participativo para complementar uma carência da democracia representativa ou da sociedade? Faço participação para fazer inclusão social, redistribuição justa do público, para exigir maior transparência?”
No processo participativo como fazer as pessoas perceberem que o processo está a mudar algo nas relações de poder ou na construção do território, isto diz respeito aos processos utilizados a partir das entidades responsáveis. Existem processos de convite onde a cidadania é convidada pelos autarcas a tomar em conjunto decisões durante a discussão de diferentes temas, e espaços para cooperação como a Web ou espaços públicos.
O projeto Uma Aventura no Mundo da Cidadania visa juntar parceiros institucionais a partir de uma ideia que vem de baixo para encontrar um ponto de encontro a meio caminho onde se pode intervir. Para o processo decorrer de forma positiva devem ser explicitadas as motivações para fazer o que estamos a fazer. Portugal como um dos países mais desconfiados da Europa não só na política, mas também na relação dos cidadãos uns com os outros e até no círculo das famílias, tem se pensar o que se pode fazer para inverter este caminho de desconfiança. Giovanni salientou que é importante admitir os objetivos de cada num processo honesto. Estes devem ser espaços onde todos devem interagir para tomar decisões sobre o território.
Giovanni introduziu um exercício de reflexão com os participantes, perguntando quais os medos e/ou bloqueios que existem no processo participativo, e que os desmotivaria a participar no Fórum da Cidadania, e no diálogo com a autarquia. Salientou ainda importância do conflito como meio de criar algo positivo. Cada pessoa escreveu num pedaço de papel a suas ideia, e estas foram recolhidas e separadas por categorias pelos membros do GAF. O medos/bloqueios mais expressos foram:
i) “Falta de capacidade de concretização das ideias e planos que ficam definidos”; “Receio de que não iria alterar a decisão”; “Não acreditar que resulte algo diferente. Achar que não vai mudar nada”; “Inconsequência”; “Irrelevância do resultado final”; “Não vai mudar nada”; “Ser uma perda de tempo”; “Desmotiva-me o facto de orçamento participativo ser apenas uma teoria. Na prática, a discussão fica nos fóruns/reuniões. Talvez a solução passe por haver uma verba destinada a implementar ideias/medidas provenientes do Fórum “orçamento participativo”; “Muitas vezes a credibilidade”
ii) “Politização do órgão autárquico”; “Aproveitamento político partidário”; “Medo de conversa da “xaxa”; “Pressão”; “Medo de chegar à conclusão de que o meu contributo e o das outras pessoas venha a ser desperdiçado ou instrumentalizado ao serviço de quem é o principal protagonista no processo”; “Instituição públicas demasiado politizadas”; “Politização do movimento de cidadania”
iii) “Falta de conhecimentos político-financeiros”; “Medo de não ter nada a dizer…ou escrever aqui!”; “Não dominar o assunto”; “Insegurança”
iv) “Falta de interesse dos autarcas na participação dos cidadãos em prol do bem comum”; “Não ser ouvido/aceite”; “Perda de tempo se as ideias não forem ouvidas”; “Não sermos ouvidos”
v) “Não ser considerado importante a minha proposta”; “Ser mais um (desvalorização)”; “Falta de motivação, desvalorização do processo”
vi) “De ser criticado/julgado pelas minhas ideias”; “Incompreensão”; “Falta de aceitação”
vii) “Falta de tempo”
viii) “Impossibilidade das pessoas…quem avança, geralmente suporta depois todo o esforço da execução”; “Conformismo”
ix) “Não acreditar no processo”
x) “Indiferença”
xi) “Corrupção”
xii) “Com 70 anos – os medos desaparecem!”
O processo participativo tem custos, perda de energia, perda de tempo, e muitas vezes existe esse medo de gastar tempo para uma coisa que não vale a pena. O processo do OP deve ser puro, e as ideias propostas não devem ser violadas pelos técnicos públicos, para se combater o medo associado à instrumentalização. A comunicação do processo participativo em Portugal deve ser criativo de forma a permitir construir uma cultura de direitos, e a construção de conteúdo. Giovanni referiu ainda que mudar de ideias é a base da participação, o ser humano evolui, partilha ideias novas. É importante romper com a ignorância territorial e perceber como os outros vivem, para além daquilo que conhecemos e dos nossos mapas afetivos. Um aspeto relevante do OP é visitar os locais de todas as obras propostas para conhecermos melhor a realidade dos outros. Outro aspeto importante é a formulação de um Plano de Prioridades (após o Diagnóstico): o que é que produzimos; o que consumimos; o que não produzimos e temos de comprar fora, etc.
Seguiu-se um momento de reflexão por parte dos participantes. Debateu-se até que ponto quando não há necessidades básicas, os problemas são ou não legítimos para serem alvo de um processo participativo. Talvez na realidade Brasileira, por exemplo, as necessidades básicas (ter água , luz, saneamento) sejam por si só alvo deste processo, mas em Portugal o problema do desemprego, por exemplo, deve também ser alvo deste debate pois afeta as pessoas no seu dia-a-dia, e é uma questão válida para discutir enquanto cidadãs e cidadãos.
Referiu-se ainda que um dos aspetos mais importantes é a confiança ou não pelo processo. No essencial, o processo deve ser sentido pelo cidadão que participa como algo que lhe diz respeito, deve ser também um processo aberto e que tenha credibilidade.
A maturidade da democracia e a disponibilidade para a participação foram apontados como aspetos importantes para o desenvolvimento destes processos. Também deverá existir abertura de espírito por parte do poder político para aceitar propostas de quadrantes diferentes, sem serem recusadas à partida.
Salientou-se que só uma política de confiança pode gerar mudanças, e que a confiança entre cidadãos e autárquicas deve ser reconstruída.
A autarquia local sublinhou que todos os processos têm aspetos novos e deve ser dado o pontapé inicial na participação em todas as suas potencialidades. O OP é um dos instrumentos mais visíveis. É importante que seja um processo que gere confiança, seja transparente, pois se não for bem conduzido pode matar-se o processo desde início. Com essa ideia em mente, o executivo da CMG está a trabalhar no sentido de pôr em prática o OP.
Em jeito de síntese, o Giovanni referiu que o processo participativo é “uma construção da realidade” e “faz-se, fazendo”, são “processos evolutivos que se adaptam” e que têm uma importante função pedagógica.